UMA CERTEZA, DEZ PALPITES
31/01/05

Primeiro a certeza: os pneus vão decidir o campeonato de 2005.

Agora, os palpites:

1 - a Bridgestone levará a melhor sobre a Michelin, proporcionando à Ferrari e Michael Schumacher o sexto título consecutivo.

2 - A McLaren será a maior rival da Ferrari. O tamanho da rivalidade dependerá da qualidade dos pneus Michelin. Kimi Raikonenn e Juan Pablo Montoya proporcionarão a mais interessante disputa do campeonato. O primeiro deve levar a melhor.

3 - A Williams não terá um carro competitivo em 2005. É provável que isso custe a cabeça de Sam Michels, diretor técnico da equipe.

4 - Bar e Renault terão anos piores do que 2004 ainda que possam ganhar algumas corridas.

5 - A Toyota vai fracassar, de novo, o que pode comprometer a continuidade da equipe.

6 - Sauber, Minardi, Red Bull (como sucessora da Jaguar) e Jordan (mesmo depois de vendida) continuarão onde sempre estiveram: no fim do grid.

7 - Por confusa, a nova sistemática dos treinos classificatórios será duramente criticada já nas primeiras corridas do ano. Se o volume de críticas for elevado, pode ser alterada, provavelmente com um retorno ao método de 2004.

8 - As equipes vão inventar algum truque para burlar o regulamento de duas corridas com o mesmo motor. Se um carro de ponta se atrasar, pode valer a pena à equipe simular uma quebra de forma a instalar um motor novo para a corrida seguinte.

9 - No meio da temporada, os carros deverão virar tempos próximos aos de 2004, pelo menos nos treinos de classificação.

10 - A briga entre Bernie Ecclestone, as montadoras, os bancos e sei lá mais quem ainda terá muitos rounds ao longo do ano.

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Confesso total e completa incapacidade de dar qualquer palpite sobre o desempenho dos brasileiros em 2005. Rubinho brigará pelo vice-campeonato? Massa fará alguma coisa de notável com o Sauber? Pizzonia vai correr (escrevo no domingo, dia 30, antes portanto do anúncio da Williams)?

Não sei, não sei, não sei.

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Ao contrário de vários leitores, não fiquei especialmente impressionado com o DVD "Emerson Fittipaldi 72/74, Bicampeão da F-1". Há várias coisas legais, principalmente carros derrapando sobre as quatro rodas, mas, de maneira geral, as cenas de corrida são pobres, assim como o contexto esportivo apresentado.

A pobreza de cenas não é culpa de ninguém: temos, de fato, poucas boas imagens das corridas de antanho (adoro esta palavra). Quando vejo jovens como o Ico criticar impiedosamente as transmissões das corridas de hoje não posso deixar de pensar que eles só dizem isso porque não penaram com as transmissões do passado, com poucas câmeras, uma única unidade de gravação, se tanto (o que significava que só se podia reprisar uma imagem se se estivesse com ela no ar naquele preciso momento), além de uma inexplicável incapacidade dos diretores de TV e câmeras-men de acertar o foco. Como explicar, por exemplo, no DVD de Emerson, que a câmera encarregada de mostrar a primeira curva do GP da África do Sul de 74 tenha permanecido fixa ao invés de acompanhar a disputa de meia dúzia de pilotos pela liderança da corrida?

Não era nada fácil acompanhar Fórmula 1 naqueles tempos.

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No DVD sobre Emerson, reafirma-se duas meias-verdades as quais sou particularmente sensível: a de foi a vitória dele no GP dos Estados Unidos 70 que garantiu o título póstumo a Jochen Rindt e a insinuação de que o brasileiro perdeu o campeonato de 73 porque Colin Chapman, o dono da Lotus, não determinou a inversão nas posições entre Emerson e Ronnie Peterson no GP da Itália.

Aos fatos: Rindt morreu durante os treinos de sábado para o GP da Itália de 70. Nesta altura, acumulava 45 pontos no Mundial de Pilotos, produto de cinco vitórias e nenhuma colocação mais, creio que um fato único na história da categoria.

Jacky Ickx, correndo pela Ferrari, tinha nesta altura míseros 19 pontos - e não marcou nenhum na Itália, vencendo a corrida seguinte, no Canadá. Restando os GPs dos Estados Unidos e México, Ickx não tinha outra alternativa que não vencer ambas, chegando ao título com um ponto de vantagem sobre Rindt.

Da forma como foi exposto no DVD, desavisados podem achar que Emerson passou Ickx nas voltas finais do GP dos Estados Unidos mas não foi bem assim. A Ferrari nunca mostrou-se competitiva e ainda por cima teve problemas mecânicos, obrigando Ickx a pelo menos uma parada nos boxes. Graças ao grande número de quebras na corrida, ainda conseguiu terminar na 4ª posição, o que definiu o campeonato.

Assim, melhor do que dizer que Emerson ganhou o título para o companheiro falecido, é dizer que Ickx e a Ferrari o perderam por conta de uma péssima corrida. E, ironia final, Ickx ganhou no México.

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O GP da Itália foi a antepenúltima corrida da temporada 73. Naqueles tempos de nove pontos por vitória, havia, portanto, 27 pontos em jogo e Emerson estava 24 pontos atrás de Jackie Stewart.

A sete voltas do final da corrida, Peterson lidera com Emerson em segundo e Stewart em 4º, depois de se recuperar brilhantemente do atraso provocado por um pneu furado no começo da prova.

Se Emerson vencesse em Monza e Stewart confirmasse, como de fato confirmou, o seu 4º lugar, o brasileiro precisaria ganhar as duas corridas seguintes sem que Stewart marcasse um mísero ponto para, pelo primeiro critério de desempate - o número de vitórias -, levar o título da temporada.

Como Stewart só havia falhado em pontuar em duas das 13 corridas disputadas até então, Colin Chapman provavelmente achou que milagres não davam em árvore e que melhor seria baixar a crista de Emerson, que estava pedindo muito dinheiro para renovar com a Lotus ou mesmo já havia se decidido a mudar de equipe.

Uma coisa que pouca gente sabe sobre esta corrida é que Peterson, por pouco, não entrega a vitória a Emerson por ter se atrapalhado com o local exato da linha de chegada, que havia sido mudado naquele ano.

Peterson viu Chapman jogar o seu boné para o alto - como este fazia habitualmente - e pensou que ali era a chegada, tirando o pé do acelerador, ao contrário de Emerson. O sueco cruzou a linha de chegada apenas oito décimos de segundo à frente do companheiro de equipe.

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Não relembro estas histórias com o propósito de diminuir os feitos de Emerson mas um bicampeão da Fórmula 1 e da Indy 500 simplesmente não precisa destas fantasias para projetar ainda mais uma carreira tão vitoriosa e bem sucedida.

Boa semana a todos

Eduardo Correa
 


WITH A LITTLE HELP
FROM OUR FRIENDS
28/01/2005

MUNDO ANIMAL


Por Manuel Blanco

Grandes ou pequenos, dóceis ou agressivos, lentos ou velozes, etc. Animais das mais diversas características compartilham conosco este planeta que chamamos Terra. Em todos eles, há algo que nos atrai e fascina. Alguns já foram até adorados como deuses. Outros... temidos como demônios.

Em todas as culturas e desde tempos remotos, existe abundante simbologia alegórica dos mais diversos animais. Fosse por superstição, religião ou simples admiração, a imagem de algum animal sempre foi exaltada pelo homem nas mais diversas manifestações artísticas ao longo dos anos.

Nossa admiração por eles é tão grande que seguimos usufruindo a sua imagem e as suas características quando queremos destacar algo ou alguém, e isto acontece com muita freqüência no automobilismo em geral e na Fórmula 1 em particular.

Qualidades como velocidade, agilidade, vigor, etc., são ressaltadas por meio de algum animal que claramente seja reconhecido por tê-las, e a sua imagem passa a representar a marca/equipe ou piloto em questão, convertendo-se no seu símbolo instransferível. Sejam animais reais ou imaginários, os exemplos da utilização da sua imagem sao abundantes e a todos já resultam familiares.

O cavalo, este nobre companheiro que tanto ajudou o homem ao longo da história, é sem dúvida, o animal mais intimamente relacionado com o automobilismo. Até a potência dos motores é representada no equivalente à força deste querido eqüino. Inclusive, em três das mais famosas marcas de automóveis esportivos de luxo de todos os tempos, pode-se ver a imagem de um cavalo em seus escudos representativos. A Ferrari é até conhecida como a escuderia do "cavallino rampante". A Porsche também exibe um cavalo na mesma atitude em seu emblema corporativo, e nos anos 40/50 outra marca de esportivos de luxo, a espanhola Pegaso, também tinha como símbolo um cavalo – coisa nada estranha pois Pegaso era o cavalo de Zeus, segundo a mitologia grega. Em 1954, a Pegaso tentou competir na F 1 e inscreveu-se para participar no GP da Espanha mas, por falta de recursos e de apoio, o carro que deviam construir nunca viu a luz e o projeto acabou sendo abandonado. O fabricante de pneus alemão Continental, que esteve presente na F1 durante um tempo, também tem um cavalo no seu escudo.

Outros animais muito presentes na simbologia automobilística são os felinos. A sua astúcia, agilidade, vigor e velocidade resultam em qualidades perfeitas a seram destacadas e vários sao os "gatos" que podemos encontrar nas corridas de automóveis. O mais comum deles é o leão, que adorna os escudos da Minardi e, antes, também o da ATS (neste caso é um leão alado). Leão era o apelido de Nigel Mansell, pela sua agressividade ao volante. Até há bem pouco tempo, também tivemos a Jaguar mas, neste caso, o felino parecia bastante domesticado, pois a equipe não exibiu nenhum dos atributos próprios do animal e acabou "fugindo com o rabo entre as pernas".

Mas a presença de felinos não está restrita à F 1. Em outras categorias também há e houve gatos. Em Le Mans, tivemos as equipes Cheetah e Cougar, além da argentina De Tomaso, que participava com seu modelo Pantera. A USAC americana teve o Wildcat (gato selvagem), e no mundo dos ralis temos o leão da Peugeot, cujos motores tiveram uma passagem pela F 1. Leão tambem é o símbolo da petrolifera italiana Agip mas, numa versão quimérica. Para acabar com os felinos, vale recordar que Lella Lombardi era popular e carinhosamente conhecida como “tigresa”.

Não há dúvida que os felinos são predadores magníficos e ideais para representar a competição automobilística. Mas não são os únicos: também tivemos o lobo que dava nome à equipe Wolf (lobo em inglês). Um lobo também aparecia no escudo da equipe Coloni e, na USAC, tivemos a equipe Coyote (parente do lobo), do admirado piloto A. J. Foyt.

De volta à F 1 mas sem abandonar os predadores, tivemos as serpentes da Alfa Romeo e da Brabham que, durante alguns anos, chegaram a ser bastante venenosas. Outro predador temível é o crocodilo que representava a equipe Tecno, presente na F1 no principio dos anos 70 mas, que nao chegou a causar nenhum medo.

Outros predadores foram o escorpião da escuderia italiana Abarth, cujo ferrao devia estar atrofiado pois, no fim dos anos 60, Carlo Abarth tentou participar da F 1 mas não conseguiu reunir recursos suficientes. E o dragão dava nome à equipe Dragon no campeonato USAC.

Também tivemos outros animais muito representativos pelas suas caracteristicas: o touro da Lamborghini e o carneiro que dava nome à equipe RAM (carneiro em inglês); o inseto (vespa?) da Stebro, pequena equipe canadense que tentou a aventura de participar no GP dos EUA em 1963. Mas os tempos registrados nos treinamentos foram tão ridículos que decidiram abandonar a idéia.

No que se refere a pilotos, além do leão Mansell e da tigresa Lombardi, tivemos Vittorio Brambilla, conhecido como "Gorila” pelo seu estilo brusco de pilotar. Denny Hulme era conhecido como "Urso" pelo caráter carrancudo, e Emerson Fittipaldi era o "Rato".

Como podem ver, há mamíferos de várias famílias, insetos e invertebrados. Porém, ainda faltam os pássaros, que não foram nada escassos. Neste quesito, os carros da equipe Fittipaldi eram autênticas "gaiolas de competição", pois ali estavam os beija-flor da Copersucar e o papagaio da Glasurit, um dos patrocinadores complementares.

No terreno da mitologia, tivemos o Grifo. Animal imaginário com corpo de leão e cabeça e asas de águia. Grifo foi o nome de uma equipe participante em Le Mans e também é o simbolo da marca sueca SAAB, famosa por construir carros com alta tecnologia, segurança e confiabilidade. Em meados dos anos 70, precisamente para demonstrar essas qualidades, a SAAB participava no campeonato de ralis com carros praticamente de série e, em 1979 inclusive vence o Rai da Suécia com seu mítico modelo 900 com turbocompressor. Aquela foi a primeira vitória de um carro com motor deste tipo na história do campeonato.

Porém, se grifo é uma águia quimérica, outras eram reais: tivemos a equipe Eagle de Dan Gurney nos anos 60, que tentou voltar à F 1 nos anos 70. Na USAC, as vitórias dos Eagle-Offenhauser eram habituais. Uma águia também presidia o escudo da mítica equipe britânica BRM, e asas de águia aparecem nos escudos das não menos míticas marcas Bentley, vencedora em Le Mans, e Aston Martin, que por duas vezes tentou uma incursão na F 1.

Uma asa também aparece no escudo da Goodyear mas neste caso parece uma alusao a Mercúrio, o mensageiro dos deuses. Asas também aparecem na marca de relógios Longines – coisa muito lógica pois dizem que “o tempo voa". A Longines foi a primeira cronometradora oficial da F1, antes de que tal honra fosse dada à Heuer (deveríamos dizer "vendida", pois o tio Bernie não é dos que dão nada).
Por último, e para completar o zoológico, temos a concha da petrolífera Shell (concha em inglês), e tivemos o dromedário dos cigarros Camel.

Tambem temos outros animais perfeitamente identificáveis mas, que por discrição ou até medo, as suas qualidades não são diretamente atribuídas a ninguém. Porém, acho que todos os reconhecemos sem problemas: sao as víboras, abutres, hienas, burros, etc. e que tanto abundam na F 1.

Enfim, parece que todo o reino animal está muito bem representado no automobilismo. E o deus Fauno, certamente, deve estar muito satisfeito.

Manuel Blanco

Sobre todas as coisas
26/01/05

Não sei onde vi este título, mas gostei e vou roubar para esta coluna que trata de várias coisas. A primeira delas é um pedido feito por um leitor para comentar o Dakar 2005 e falar sobre o Jean Azevedo. Primeiro deixa eu explicar uma coisa que não ficou bem clara na última coluna (“Estou com raiva do Dakar”).

Minha raiva é natural pela perda de uma pessoa nobre como Fabrizio Meoni. Se ele tivesse morrido picado por uma abelha eu teria raiva de todas as abelhas do mundo. Se ele tivesse morrido engasgado com uma ervilha eu ficaria com raiva de ervilhas e provavelmente nunca mais comeria uma daquelas bolinhas verdes. Esta raiva é natural e acho que muitas avós ficaram com raiva da Fórmula 1 depois do dia 1º de maio de 1994 quando o neto mais querido se espatifou na Tamburello. É natural, seria esquisito se eu disesse que amo o Dakar e tudo aquilo que ele representa.

O Jean Azevedo é o irmão mais novo do André Azevedo. Este, mais o Klever Kolberg, foram os primeiros brasileiros a apostar os colhões em cima de duas motos no ainda chamado Rali Paris-Dakar. Acho que foi em 1988 que a dupla vestiu as roupas, colocou as peças reservas em uma pesada mochila e se meteu no maior desafio motorizado da época. Muitos invejosos de plantão comentavam que Klever era melhor marketeiro do que piloto – mais ou menos o que diziam de André Ribeiro – só que tiveram de calar as bocas e enfiar a inveja no saco porque a mesma dupla está até hoje nesta prova, os dois se profissionalizarm, conseguiram posições de destaque e deram a luz a este geniozinho chamado Jean Azevedo.

Uma das coisas mais difíceis do mundo é entrevistar o Jean. O cara é tímido, quase monossilábico e suas respostas raramente vão além do “sim”, “é”, “não” e coisa parecida. Durante as entrevistas coletivas ele acaba falando mais, porque certamente o “marketeiro” Klever Kolberg faz uma preleção e mostra que falar em público não é assim tão dolorido ou angustiante.

O que importa é que Jean Azevedo é o melhor piloto de rali de moto do Brasil e ponto final. O cara acelera, economiza a moto, sabe navegar e teve como mérito a façanha de se tornar o primeiro brasileiro a vencer uma etapa do Dakar em cima de uma moto. Já vi o Jean pilotando e podem acreditar: no dia em que ele for contratado para correr por uma equipe de fábrica vai despontar como um favorito fácil.

Em 2005 as KTM dominaram porque as outras fábricas tiraram os times de campo. Honda, Cagiva e BMW saíram fora depois de alguns títulos. A Yamaha manteve um esquema semi-oficial para desenvolver o projeto do modelo 450 com tração nas duas rodas. A idéia foi muito bem sucedida e podem apostar que esta tecnologia brevemente vai chegar nas KTM. O sistema é simples, funciona por bomba hidráulica e envia um máximo de 20% de potência para a roda dianteira por meio de mangueiras. É o suficiente para a frente não afundar nos areiões e para a moto não atolar. Para avaliar a eficiência do sistema, em trechos de dunas a 450 de um cilindro da Yamaha foi mais rápida do que as 900 bicilíndricas da KTM.

Entre os carros, Stephane Peterhansel conseguiu vencer pela segunda vez e podem ter certeza que vai continuar vencendo. Ele já tinha sido seis vezes vencedor do Dakar com as motos e agora chegou à segunda vitória com a Nissan. É um mágico. Depois da morte do Meoni, Peterhansel deu uma entrevista ao correspondente brasileiro justificando sua passagem das motos para os carros e disse claramente que mudou porque “estava com medo de um acidente”. Isso mesmo, o maior campeão do Dakar admitiu publicamente que teve medo e isso não o envergonha nem desmerece o cara. Entrevistei o Peterhansel quando ele correu o Enduro da Independência em Belo Horizonte e fiquei impressionado quando ele disse que o seu maior ídolo era Ayrton Senna e que se espelhava no brasileiro para nortear a carreira. Acho que isso foi em 1992 ou 1993.

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Corta para o Mundial de MotoGP. Nos primeiros testes Alexandre Barros já deu um recado: vai incomodar! Fez dois treinos excelentes e acabou atrás apenas da Ducati de Loris Capirossi e da Yamaha do Valentino Rossi. Quem ligou a TV agora e não está entendendo nada, vai um lembrete: Alexandre saiu (ou foi saído) da Honda fábrica e agora está de volta à equipe Pons e vai correr de Honda oficial. Segundo ele mesmo disse, “testamos perto de 12 tipos de pneus Michelin e começamos a mexer na moto”.

Traduzindo: Barros vai chegar na primeira etapa com um belo feeling dos pneus e com a moto da fábrica já acertada. Pausa para explicar: acho que em 2004 Alexandre tomou na tarraqueta porque os engenheiros da HRC – o reparto corsa da Honda – não davam muito ouvido aos reclamos do brasileiro. Em uma equipe menor, a palavra do piloto é soberana e a liberdade para fazer mudanças também.

Mas não vou ficar aqui justificando a fraca temporada do Barros em 2004. Até agora ele está bem perto do Valentino, apenas 1 décimo de segundo. No ano passado ele ficava a oito décimos de segundo nos treinos e a meio segundo nas corridas. Vamos ver o que pode rolar em fevereiro, quando as equipes fazem outro treino oficial, ainda sem a Honda-fábrica junto. O pau vai comer feio em 2005 e quem não tiver acesso à SporTV vai perder uma temporada das mais emocionantes. Enquanto Shummy promete fazer da F1 2005 outro desfile em vermelho, na MotoGP vai voar pena pra tudo que é lado.

A partir da próxima coluna já podem esperar por notícias mais quentes.

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Outro assunto: Jacarepaguá!

Minha Gente! (essa eu roubei do Collor). Não se iluda. Estamos no Brasil, que está mais próximo da África do que da Europa. Sabe aquela viagem a remo que Amyr Klink fez da África até o Brasil? Imagine se ele viesse da Inglaterra? Estaria até hoje remando em algum ponto do Atlântico.

Não sonhe com um país no qual o automobilismo e o motociclismo serão tratados com prioridade. E sem apelos saudosistas quanto ás glórias do passado. Em um país onde tiveram coragem de demolir monumentos históricos, represar áreas de beleza natural incomparável e outras pataquadas, quem vai se importar com uma pista de corrida?

O circuito de Jacarepaguá é sub-usado, mal conservado e cheio de bumps. As corridas nacionais são assistidas por uma merreca de público. Se faz sol a praia é muito melhor. Se chove – e chove pra caramba naquele aterro – ninguém vai se deslocar até lá. Então, só serve para alguns pilotos se divertirem. Meu colega da revista Racing foi cobrir uma etapa do Campeonato Carioca de Automobilismo e viu uma largada com 2 (DOIS) carros!!!

Eu procurei a administração do circuito para levar minha escola de pilotagem esportiva de motos (SpeedMaster) para lá. Cobraram um valor indecente e imoral pelo aluguel da pista para um final de semana. Mudei a escola para Caruaru (Pernambuco) onde a realidade é bem diferente e os preços são normais.

Não adianta cortar a pista. Ou mantém o traçado ou arranca tudo de uma vez. Se a pista ficar com 2.700 metros, servirá apenas para escolas de pilotagem (êba!), mas terão de rever os valores de aluguel. Imagine uma corrida de Stock-Cars em uma pista de 2.700 metros! Vai dar tontura!

Está na hora de privatizar os autódromos e acabar com a mamata de muito funcionário público. No interior de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro existem muitas áreas que poderiam abrigar autódromos modernos, com boas áreas de acesso e sem interferência de políticos ineptos e aproveitadores. Eu já pilotei em dois autódromos particulares, um do Dimas de Melo Pimenta e outro dos Diniz. Se dois empresários cheios da grana podem construir autódromos só para brincar de carrinho, por que empresas grandes não podem construir um autódromo de verdade? É preciso tirar dinheiro das ações sociais prioritárias para investir em modalidades para ricos?

Minha gente, chega de mamar na teta do Estado. O que já se gastou em reformas em Interlagos a cada corrida de F1 daria para fazer 10 autódromos de nível internacional. E querem saber? Para motos Interlagos é uma merda! Perigoso, com muros muito próximos da pista e cheio de lombadas. Sou favorável a demolir Interlagos e Jacarepaguá, privatizar as pistas e construir circuitos melhores e mais seguros.

Geraldo Tite Simões



O TOURO E AS VAQUINHAS
24/01/05

A notícia passou quase desapercebida nos meios de comunicação nacionais e internacionais. A Red Bull abandonou o projeto de investir no circuito de Zeltweg e deixou o lugar às moscas, ou melhor, às vacas. Após a demolição das arquibancadas, dos boxes e dos edifícios administrativos, sobrou apenas um traçado esburacado no vale que já recebeu os melhores pilotos do mundo. E pasto, muito pasto.

Foi o fim de um dos planos mais audaciosos já vistos para uma pista de corrida. De acordo com o chamado “Projeto Spielberg”, haveria uma integração entre o autódromo e o campo de vôo situado a poucos metros dali, com a construção de uma academia para formar pilotos e técnicos nas duas áreas. E outras coisinhas mais: um hotel cinco estrelas, dois palcos para shows, dois kartódromos, uma pista de motocross, um centro esportivo e a extensão do traçado do autódromo, aproveitando uma área da pista original dos anos 70 e que ficou esquecida dos anos 90. O megalômano projeto custaria aos cofres da Red Bull a bagatela de 700 Milhões de Euros e fatalmente atrairia a Fórmula 1 de volta à região.

Mas as asinhas da empresa começaram a ser cortadas por causa da tal pista de motocross. Ela demandaria a derrubada de uma dezena de árvores e a remoção de um certo volume de terra, o que motivou dois pequenos grupos de cidadãos da região a mover uma ação contra o projeto. É uma parcela insignificante diante dos diversos setores a favor da empreitada. Mas após meses de debates nos tribunais, a comissão do meio ambiente do estado da Estíria deu ganho de causa aos grupos e considerou que o “Projeto Spielberg” não está dentro dos conformes da lei. Qual lei seria burlada, porém, juro que não encontrei esta informação em nenhum lugar. Assim que o parecer foi anunciado, na última quarta-feira, a Red Bull anunciou que não prosseguiria com o projeto.

No centro de toda a questão está um homem que habita o mundo da Fórmula 1 há mais de uma década, mas só agora começa a ganhar espaço nas grandes manchetes. O taurino Dietrich Mateschitz inventou em 1987 uma bebida com gosto de chiclete e um misterioso ingrediente chamado taurina e a batizou de Red Bull. Hoje, com tal do touro vermelho perto de atingir sua maioridade, “Didi” é um bilionário, com direito a perfil na edição da revista Forbes sobre as pessoas mais ricas do mundo.

Se chegou lá, é porque é um excelente homem de negócios. Vale lembrar que, no ano passado, Mateschitz passou a primeira parte da temporada da F-1 negociando com a Ford a compra da equipe Jaguar. Diante do alto preço pedido, tirou o time de campo e anunciou que não estava mais interessado. No final, o touro foi uma raposa e acabou comprando o time por apenas US$ 1 milhão, quase de graça, porque não apareceu nenhum interessado que atendesse às exigências da Ford (que podia ser resumida em “ter recursos para tocar a equipe com um mínimo de dignidade”).

Aqui na Áustria, muitos se espantaram com o fim do “Projeto Spielberg”. A turma da política logo se assanhou e todos os partidos da oposição dispararam pesadas críticas ao da governadora da Estíria, Waltrud Klasnic, não por acaso o mesmo partido do chanceler Wolfgang Schüssel. Economistas se apressaram a calcular o volume do dinheiro que a região deixou de ganhar e esportistas lamentaram a destruição da única pista digna de nota do país. Provavelmente, só as vaquinhas gostaram da idéia, pois seu pasto permanecerá intocado.

Ah, sim! Tem mais um cara que está rindo à toa com o naufrágio deste barco: Mateschitz, o Mister Red Bull. Raciocinemos juntos: o “Projeto Spielberg” surgiu em 2003 e, embora mal tenha começado, já custou uma boa grana aos cofres da empresa. O autódromo de Zeltweg pertencia ao Estado da Estíria e o Automóvel Clube da Áustria (ÖAMTC) tinha a prioridade caso os direitos de exploração do lugar fossem vendidos ou alugados. Só na compra destes direitos do ÖAMTC, a Red Bull gastou € 20 milhões.

Aí, no fim do ano passado, Mateschitz resolveu realizar outro de seus sonhos e comprou sua equipe de F-1. Não é ótimo para um homem de negócios como ele poder paralisar um projeto de € 700 milhões num momento como esse? O que o homem fez, na verdade, foi um golpe de mestre. A complexidade do “Projeto Spielberg” previa a compra de terrenos vizinhos ao atual autódromo. Numa entrevista em dezembro, ele reclamou da ganância de alguns dos proprietários. “Estão pedindo um preço irreal pelo que as terras valem. Aceitar seria um insulto à nossa inteligência”.

Agora, com as mudanças que deveriam ser feitas após o parecer favorável aos ecologistas, os custos aumentariam absurdamente. Saindo de cena, Mister Red Bull se fez de vítima e os políticos logo perceberam a chance que eles estavam deixando passar. Políticos criam leis para elas sejam mudadas, desde que caia algum dinheiro no bolso deles. Conhecemos muito bem isto, não é verdade?

Por isso, antes de se vestir de preto pela morte do circuito de Zeltweg, arme-se de paciência. Mais alguns anos e provavelmente a Red Bull vai ganhar toda a região de presente para construir seu gigantesco parque de diversões. E Mateschitz estará lá, exibindo seu vasto sorriso. Que o episódio sirva de alerta às outras equipes da Fórmula 1. Este homem não entra num negócio para perder. Pode demorar, mas ele sempre acaba ganhando.

Hoje, imaginar a sucessora da Jaguar ganhando corridas e títulos parece piada. Mas muitos riram também há cerca de 20 anos atrás, quando um homem de marketing austríaco, bêbado num bar de Tóquio, vislumbrou a possibilidade de ficar milionário criando uma tal de “bebida energética”. O tempo sempre deu razão ao senhor Dietrich Mateschitz.

Um abraço e até a próxima,

Luis Fernando Ramos
 



Nós somos um idiota
21/01/05

A Ferrari renovou com Bernie Ecclestone até 2012, a Fórmula 1, pelo menos até lá, está salva e agora posso afirmar com todas as letras: nós (o plural é majestático, como convém a situações solenes, não tendo nada a ver com você, leitor) somos um idiota.

Idiota por perder tempo achando que as piranhas (os donos das equipes) não se entenderiam com a piranha-mor, Mr. Bernie, o próprio. Idiota por temer que o dinheiro não se arreglaria com dinheiro, o poder com poder. Idiota por ter vibrado com aquela carta "legalista" de Ron Dennis e Frank Williams (lembram-se dela? O idiota aqui até a distribuiu pelo e-mail) e com as palavras de Luca di Montezemolo, que disse em entrevista a AutoSprint algo do gênero: "organizar a Fórmula 1 não é um trabalho tão extraordinário porque, com todo respeito a Ecclestone, ele o faz com Lattuneddu e dez ragazzotti.
Ou seja, não estamos falando da Nasa."

Mudou Montezemolo, Bernie ou a Nasa? Talvez tenhamos apenas visto mais uma aplicação da lição imortal de Lampeduza: as coisas precisam mudar para continuarem iguais. Talvez Bernie tenha aumentado a grana da Ferrari e tudo ficou por isso mesmo. Mas o idiota aqui, provavelmente, continuará igual.

E vocês vão ter de me engolir.

///

Não sou, vocês já devem ter percebido, um cara propriamente sucinto. Em minhas mãos, os assuntos se desdobram e alargam, tenho dificuldades em abandona-los e sempre acho que fiquei devendo uma informação ao leitor.

Então vocês podem fazer uma idéia da minha angústia em tentar reduzir em pouco mais de duas mil palavras a história recente da Fórmula 1, como fiz (ou tentei fazer) em minhas colunas de 6 e 10 de janeiro.

Me perdoem, portanto, voltar a um tema que, acho, merece mais explicações: a mudança no estilo de pilotagem ao longo dos anos 70/80, com o advento do efeito-solo e dos motores turbo.

Este salto de potência dos carros, de algo como 500 para 1000 cavalos, e de velocidade em curva, em alguns casos, de uns 20%, foram o ponto de partida de toda uma série de desdobramentos que trouxeram para a categoria muitos dos seus problemas atuais.

Por exemplo: os pilotos passaram a necessitar de muito mais força física para conduzir os carros. Como explica Niki Lauda em sua autobiografia Minha História, um dos mais admiráveis depoimentos de piloto que jamais li (e fica aqui a dica para Alessandra Alves, nossa valente boss da Editora GPTotal), manter a cabeça ereta durante a corrida tornou-se um problema. Licença para reproduzir trechos do livro, em espanhol mesmo pois não quero trair ninguém:

"al poner la marcha seguiente, el impulso del turbo te tira la cabeza hacia atrás, luego llegas al límite de revoluciones y tu cabeza vuela hacia adelante, metes la marcha seguiente, tu cabeza es desplezada hacia atrás. y así tres veces consecutivas".

E também, falando aqui especificamente dos carros asas:

"la fuerza de gravedad se acentuaba tanto en las curvas, que era imposible mantener erquida la cabeza junto con el casco".

E mais, falando sobre os impactos sofridos pelo corpo do piloto tão logo os carros, quase que desprovidos de suspensão, passavam sobre a mais insignificante irregularidade da pista:

"En las rectas de Monza, por ejemplo, era tan tremendo que sentías los golpes simultáneamente en la columna vertebral y también en la cabeza. Daban ganas de llorar de dolor y de impotente rabia. Andabamos a los saltos como animales enloquecidos, ese era nuestro job".

Graças a estas e outras informações de Lauda, podemos entender algumas coisas da Fórmula 1 de hoje:

1 - porque a preparação física, um luxo de poucos pilotos nos anos 70, tornou-se um imperativo atual, com seus desdobramentos inevitáveis. Experimente passar duas ou três horas por dia, sete dias por semana, numa academia, caprichando na preparação aeróbica (corrida a pé, por exemplo) e anairóbica (musculação) e depois me diga se terá animo para farras, como as que notabilizaram pilotos como Mike Hailwood e James Hunt. Chico Rosa, empresário de José Carlos Pace durante os anos dele de Fórmula 1, me contou que, ao chegar aos hotéis às vésperas de um GP, se preocupava em conseguir um quarto bem distante do de Hailwood, pois só assim garantiria para ele e Pace uma boa noite de sono.

2 - O salto de potência dos motores tornou imprescindível o avanço da eletrônica embarcada. Acho que não erro em dizer que a corrida da eletrônica começou com o refinamento dos controladores de giro do motor, de forma a conter um pouco os
problemas decorrente dos saltos de potência na passagem das marchas. Não que os projetistas estivessem particularmente preocupados com o conforto dos pilotos mas é que estes saltos causavam spins incontroláveis nas rodas traseiras, limando os pneus e comprometendo o desempenho.
Desencadeada a corrida eletrônica, ninguém mais a segurou.

3 - O crescimento da velocidade em curva significou o começo do fim da dupla de Lesmo, em Monza, Curvas 1 e 2 de Interlagos, Stowe, em Silverstone, e tantas outras curvas velozes que separavam meninos de homens.

É por isso que os pilotos de hoje demonstram tanta surpresa e admiração pelos seus colegas mais velhos quando pilotam carros daquela época. O amigo Manuel Carvalho, de Santos, e este propósito, envia frase de Damon Hill, sobre os carros do passado: "I can't drive these cars; they don't stop, they don't turn in, they don't do anything. I don't know how you guys did it".

Bom final de semana a todos

Eduardo Correa
 



Vem aí o primeiro livro do GPtotal
19/01/05

Nesta minha primeira coluna de 2005, coube a mim a grata tarefa de anunciar aos leitores do GPtotal uma notícia que nos transporta das telas dos computadores para as prateleiras das livrarias. Em fevereiro, será lançado o primeiro livro com o selo GPtotal, “O Boto do Reno”, do jornalista Flavio Gomes, e aqui explico como tudo aconteceu.

Não é obra do acaso que seja eu a eleita para dar a boa nova. Passei vários meses instigando meu amigo Flavio, do site Grande Prêmio, a lançar um livro reunindo suas crônicas de viagens pelo mundo da Fórmula 1 e sempre escutava dele a mesma justificativa: “Preciso ir atrás de editora, não tenho tempo.” Até que me cansei do nosso mútuo conformismo e propus: “E se lançássemos o livro pela minha editora, com o selo do GPtotal, você topa?”

Ele topou e o projeto do livro “O Boto do Reno” andou rapidamente. “O Boto do Reno” reúne crônicas escritas pelo Flavio desde 1994, nas quais ele conta episódios de suas viagens, mostra particularidades dos muitos países que já visitou, destila seu bom e mau humor com a fluidez característica de seus textos. Um caderno com fotos e imagens, de vários países, encerra o livro. Para quem gosta de Fórmula 1, é uma oportunidade de viajar junto com Flavio pelos países que recebem as corridas, compartilhando com o jornalista seu cotidiano de viajante solitário, suas impressões, suas experiências. O livro termina com um relato sobre a cobertura da morte de Ayrton Senna, fato que teve importância capital na vida do próprio autor.

Os leitores do GPtotal podem, com muita propriedade, perguntar: por que lançar primeiro um livro do Flavio Gomes e não de algum dos colunistas do próprio GPtotal? Afinal, tanto Eduardo Correa quanto Luiz Alberto Pandini já têm livros publicados, acrescentariam alguns. A resposta é muito simples: porque Flavio Gomes já tinha o livro pronto e nós, colunistas do GPtotal, embora tenhamos muitas idéias que, no futuro, podem e devem se materializar em livros, não estávamos com os originais prontos quando criou-se a oportunidade de entrarmos no ramo editorial.

De 1997 até o início de 2005, minha editora foi especializada apenas em publicações empresariais. Entrar para o segmento de livros era um objetivo estudado há algum tempo e a instigação ao Flavio Gomes teve um lado prático e outro sentimental. Fazer do primeiro livro do Flavio o primeiro livro do selo GPtotal é unir muitos pontos fortes: Flavio é um jornalista conhecido e consagrado no meio, escreve para veículos de grande representatividade, como o diário Lance!, vários jornais em todo o Brasil, o próprio site Grande Prêmio, o primeiro portal de informações sobre automobilismo do país, além de ser correspondente da Rádio Bandeirantes em suas transmissões de Fórmula 1. O GPtotal é mais que um veículo: é uma comunidade consolidada entre os leitores que gostam de ler e de conhecer cada vez mais sobre Fórmula 1. Do ponto de vista prático, eu não poderia planejar uma união mais perfeita.

Mas eu disse que há um lado sentimental e peço a licença dos leitores, machões implacáveis em sua maioria, para contar um pouco da minha própria história e de como chegamos até aqui. Um ano antes de me formar em Jornalismo, metida a besta que só, candidatei-me a uma vaga de repórter de Esportes na Folha de São Paulo, respondendo a um anúncio publicado no próprio jornal. Eu era topetuda, mas tinha noção da minha sandice: mandei meu currículo (que currículo tem uma terceiroanista de faculdade?), mas junto mandei uma carta ao editor, explicando porque me permitia tamanha ousadia. Eu queria trabalhar lá um dia, e queria pelo menos me apresentar para ele. Quando desse...

O editor de Esportes da Folha era Flavio Gomes, que me chamou para a entrevista, impressionado talvez com a pretensão, mas alegando ter gostado muito da tal carta. Disse o óbvio: que a vaga era para alguém experiente, mas que guardaria meu currículo para uma próxima oportunidade. E ela veio três meses depois: uma vaga de redator havia sido aberta e Flavio lembrou-se de mim.

Comecei a trabalhar na Folha no dia 7 de maio de 1991, tendo Flavio Gomes como meu primeiro editor. Fui, para usar um termo das redações, sua “foca” (jornalista em início de carreira). De lá para cá, fizemos muitas outras coisas no campo profissional: deixamos de ser chefe e subordinada (sei que ele vai odiar quando ler esse “subordinada”, é muito democrático esse meu amigo-autor-editor), saímos ambos da Folha, lançamos empreitadas novas e nunca perdemos o contato. Eu poderia dizer que foi uma “ironia do destino” (detesto essas expressões manjadas) ter me tornado eu a editora do primeiro livro do jornalista Flavio Gomes, o editor que primeiro me contratou. Mas acho que foi mais por planejamento e teimosia que ironia ou destino. E, sobretudo, pela generosidade do Flavio que me deu, mais uma vez, a chance de dobrar mais uma esquina da minha vida.

“O Boto do Reno” estará à venda, aqui mesmo no GPtotal, a partir do dia 9 de fevereiro, logo após o Carnaval. Mas, se a sua vontade de ter o livro já estiver muito grande, reserve já seu exemplar clicando aqui

Alessandra Alves



HISTÓRIAS DO ALFRAN
17/01/05

A história do Brasil na Fórmula 1 é freqüentemente contada tendo como ponto central algum dos 27 pilotos do país. Mas vários brasileiros mostraram sua competência em outras funções. Nosso colunista Ricardo Divila – o primeiro sul-americano a projetar um Fórmula 1 – é um deles. Pode-se citar ainda engenheiros como José Avallone Neto (que trabalhou para a Jordan durante algum tempo), Otávio Guazelli e Fernando Paiva (sócios de uma empresa de informática, a NGD, que prestou serviços para a Minardi entre o final da década de 1980 e o começo da década de 1990) e, atualmente, o pessoal da Petrobras, fornecedora de combustível da Williams, liderado por Rogério Gonçalves.

Um desses brasileiros, o potiguar João Alfran,chegou à equipe Coloni no segundo semestre de 1989, indicado por Roberto Moreno. A dedicação e a criatividade de Alfran logo se destacaram, especialmente em uma equipe carente de recursos. No final daquela temporada, Moreno se transferiu para a Eurobrun, mas Alfran permaneceu na Coloni. Eu o conheci no começo de 1990 por intermédio de Luiz Carlos Lima, dono da Interlagos Editora, onde eu trabalhava. Lima, autor de livros como “José Carlos Pace, o campeão mundial sem título” e “Nelson Piquet – A trajetória de um grande campeão”, pretendia lançar uma revista sobre automobilismo, chamada “Veloz”, e desejava incluir no primeiro número uma entrevista com Alfran.

Eu e Alfran imediatamente nos entendemos bem. Simpático e bem-humorado, Alfran contou muitos detalhes interessantes sobre seu trabalho na Coloni. Poucas semanas depois de chegar à equipe, ofereceu-se para montar um carro “boneco” (ou seja, sem motor) usando peças avulsas que estavam jogadas em um canto da oficina. “Não vai dar porque faltam componentes”, respondeu Enzo Coloni, o dono da equipe. “Posso ao menos tentar?”, insistiu Alfran. Dias depois, o carro estava montado, para surpresa geral. Dali em diante, o brasileiro ganhou a confiança de Enzo Coloni e passou a ser um dos principais mecânicos da equipe.

Alfran relatou ainda o drama da Coloni no GP de Portugal de 1989. Moreno conseguiu o 15º lugar no grid (a melhor posição de largada da história da Coloni), após várias corridas sem conseguir ficar entre os 26 pilotos que, na época, largavam a cada GP. O resultado foi possível, principalmente, graças a um novo bico que melhorou muito a aerodinâmica do Coloni C4. No final do treino de sábado, quando tentava melhorar ainda mais seu tempo, Moreno se envolveu em um acidente com Eddie Cheever, da Arrows, e o tal bico foi destruído. “Era o único que a equipe havia construído e não havia dinheiro para fazer outro”, contou Alfran. Na corrida, Moreno deu 11 voltas e abandonou por causa de uma pane no sistema elétrico.

Escrevi a matéria, mas a revista “Veloz” nunca saiu. A situação financeira da Interlagos Editora nunca foi das mais tranqüilas e o confisco do dinheiro guardado em bancos (uma das medidas do infame e inútil Plano Collor) obrigou Luiz Carlos Lima a abandonar de vez o sonho de publicar sua revista de automobilismo. No final daquele mesmo ano, encontrei-me novamente com Alfran. Conversamos sobre vários assuntos, fiz mil perguntas sobre corridas e, de repente, ele disse: “Cara, já vi que você gosta demais do assunto. Você vai gostar do que eu vou trazer para você”. No dia seguinte, Alfran passou na sede da Five Star Marketing, onde eu trabalhava, e me deu uma camisa vermelha oficial da Ferrari. “Essa é a que os mecânicos usam nos testes”, explicou. “A camisa que eles usam em corridas é amarela.”

Poucos meses depois, entrei no “Jornal da Tarde” e fui um dos repórteres escalados para cobrir o GP do Brasil de 1991. Evidentemente, uma das minhas primeiras providências foi procurar Alfran. Por intermédio dele, consegui várias informações interessantes sobre o que rolava na Coloni e até em outras equipes. Nada que rendesse manchete de página, mas muitos detalhes de bastidor que acrescentaram um colorido especial às matérias.

Só reencontrei Alfran um ano depois, no GP do Brasil de 1992, quando a Coloni já havia sido comprada pelo fabricante italiano de sapatos Andrea Sassetti e transformada em Andrea Moda. Desta vez, porém, tivemos muito pouco tempo para conversar. Alfran foi o responsável pelo recrutamento de mecânicos brasileiros que pudessem ajudar na montagem dos carros da equipe. Trocamos vários cumprimentos à distância, mas só conseguimos conversar uma vez. “Estamos trabalhando dia e noite na montagem do carro”, disse-me, com o cansaço visível em seu rosto e as olheiras denunciando muitas horas de sono atrasadas. Tanto esforço para nada. Moreno, de volta à antiga equipe depois de passar pela Benetton e pela Jordan, conseguiu dar apenas duas voltas e marcou um tempo na casa de 1min38s – cerca de 2 segundos mais lento que o pole position da última corrida de F 3 realizada em Interlagos no final de 1991.

Depois disso, fiquei alguns anos sem ver Alfran. Ele passou boa parte desse tempo trabalhando nos Estados Unidos, principalmente com Moreno. Nos reencontramos em 2002, quando Alfran já havia voltado ao Brasil e aberto uma oficina de preparação de carros de corrida. Em novembro de 2004, conversamos longamente durante o Porsche Racing Festival, em Interlagos. Empolgado, Alfran descreveu o esporte-protótipo com motor Chevrolet V8 que estava construindo para o piloto e empresário Urubatan Helou disputar a Mil Milhas.

Nessa ocasião, Alfran relembrou algumas histórias dos tempos da F 1, como as peças que pregava nos mecânicos europeus – os ingleses eram suas vítimas preferidas. Certa vez, durante um intervalo entre os GPs do Japão e da Austrália, Alfran viajou com um grupo para a ilha de Bali, na Indonésia. Foi para uma praia, comprou um coco verde e, quando a água estava pela metade, resolveu misturá-la com a cachaça de uma garrafinha que havia levado consigo. “Uns três mecânicos ingleses chegaram logo depois, e resolvi oferecer o coco para que eles provassem a bebida. Eles adoraram e perguntaram aonde poderiam conseguir um igual. Apontei um coqueiro ali perto e disse: ‘Tem que subir na árvore e pegar’. E lá foram eles pegar os cocos lá no alto. Mas aí eu não consegui mais segurar a risada e eles perceberam que eu estava de sacanagem...”.

Outra: “No final de semana de um GP de Portugal, a cozinheira da Coloni chegou para mim e disse: ‘Você vai gostar do café de amanhã. Comprei uns papayas deste tamanho”, contou Alfran, abrindo as mãos como quem mostra um objeto com meio metro de comprimento. “Estranhei: papayas daquele tamanho? No dia seguinte, quando cheguei no trailer, a cozinheira me mostrou os ‘papayas gigantes’. Eram abóboras! E todo mundo estava comendo abóbora, pensando que eram papayas...” Mais algumas histórias e nos despedimos. “Eu preciso colocar essas histórias em um livro”, disse Alfran. “Se você quiser, eu escrevo esse livro”, respondi.

No dia 4 de janeiro passado, de volta a São Paulo após uma semana de férias na praia, recebi uma ligação de Ivo Sznelwar, engenheiro bastante conhecido nos meios automobilísticos e que de vez em quando dá uma força aqui no GPtotal. Trocamos votos de feliz ano novo e Ivo me deu a notícia: João Alfran havia morrido no dia anterior, aos 48 anos, devido a complicações cardíacas. Cerca de dez dias antes, havia realizado seu maior sonho: viu o carro projetado por ele andar em Interlagos pela primeira vez, pilotado por Urubatan Helou Júnior.

Luiz Alberto Pandini