|
|
UMA CERTEZA, DEZ PALPITES
|
31/01/05 |
|
|
Primeiro a certeza: os pneus vão decidir o campeonato de 2005.
Agora,
os palpites:
1 - a Bridgestone levará a melhor sobre
a Michelin, proporcionando à Ferrari e Michael Schumacher
o sexto título consecutivo.
2
- A McLaren será a maior rival da Ferrari. O tamanho da rivalidade
dependerá da qualidade dos pneus Michelin. Kimi Raikonenn
e Juan Pablo Montoya proporcionarão a mais interessante disputa
do campeonato. O primeiro deve levar a melhor.
3 - A Williams não terá um carro
competitivo em 2005. É provável que isso custe a cabeça
de Sam Michels, diretor técnico da equipe.
4 - Bar e Renault terão anos piores
do que 2004 ainda que possam ganhar algumas corridas.
5 - A Toyota vai fracassar, de novo, o que
pode comprometer a continuidade da equipe.
6 - Sauber, Minardi, Red Bull (como sucessora
da Jaguar) e Jordan (mesmo depois de vendida) continuarão
onde sempre estiveram: no fim do grid.
7 - Por confusa, a nova sistemática
dos treinos classificatórios será duramente criticada
já nas primeiras corridas do ano. Se o volume de críticas
for elevado, pode ser alterada, provavelmente com um retorno ao
método de 2004.
8 - As equipes vão inventar algum truque
para burlar o regulamento de duas corridas com o mesmo motor. Se
um carro de ponta se atrasar, pode valer a pena à equipe
simular uma quebra de forma a instalar um motor novo para a corrida
seguinte.
9 - No meio da temporada, os carros deverão
virar tempos próximos aos de 2004, pelo menos nos treinos
de classificação.
10 - A briga entre Bernie Ecclestone, as montadoras,
os bancos e sei lá mais quem
ainda terá muitos rounds ao longo do ano.
///
Confesso total e completa incapacidade de dar
qualquer palpite sobre o desempenho dos brasileiros em 2005. Rubinho
brigará pelo vice-campeonato? Massa fará alguma coisa
de notável com o Sauber? Pizzonia vai correr (escrevo no
domingo, dia 30, antes portanto do anúncio da Williams)?
Não sei, não sei, não
sei.
///
Ao contrário de vários leitores,
não fiquei especialmente impressionado com o DVD "Emerson
Fittipaldi 72/74, Bicampeão da F-1". Há várias
coisas legais, principalmente carros derrapando sobre as quatro
rodas, mas, de maneira geral, as cenas de corrida são pobres,
assim como o contexto esportivo apresentado.
A pobreza de cenas não é culpa
de ninguém: temos, de fato, poucas boas imagens das corridas
de antanho (adoro esta palavra). Quando vejo jovens como o Ico criticar
impiedosamente as transmissões das corridas de hoje não
posso deixar de pensar que eles só dizem isso porque não
penaram com as transmissões do passado, com poucas câmeras,
uma única unidade de gravação, se tanto (o
que significava que só se podia reprisar uma imagem se se
estivesse com ela no ar naquele preciso momento), além de
uma inexplicável incapacidade dos diretores de TV e câmeras-men
de acertar o foco. Como explicar, por exemplo, no DVD de Emerson,
que a câmera encarregada de mostrar a primeira curva do GP
da África do Sul de 74 tenha permanecido fixa ao invés
de acompanhar a disputa de meia dúzia de pilotos pela liderança
da corrida?
Não era nada fácil acompanhar
Fórmula 1 naqueles tempos.
///
No
DVD sobre Emerson, reafirma-se duas meias-verdades as quais sou
particularmente sensível: a de foi a vitória dele
no GP dos Estados Unidos 70 que garantiu o título póstumo
a Jochen Rindt e a insinuação de que o brasileiro
perdeu o campeonato de 73 porque Colin Chapman, o dono da Lotus,
não determinou a inversão nas posições
entre Emerson e Ronnie Peterson no GP da Itália.
Aos fatos: Rindt morreu durante os treinos
de sábado para o GP da Itália de 70. Nesta altura,
acumulava 45 pontos no Mundial de Pilotos, produto de cinco vitórias
e nenhuma colocação mais, creio que um fato único
na história da categoria.
Jacky Ickx, correndo pela Ferrari, tinha nesta
altura míseros 19 pontos - e não marcou nenhum na
Itália, vencendo a corrida seguinte, no Canadá. Restando
os GPs dos Estados Unidos e México, Ickx não tinha
outra alternativa que não vencer ambas, chegando ao título
com um ponto de vantagem sobre Rindt.
Da forma como foi exposto no DVD, desavisados
podem achar que Emerson passou
Ickx nas voltas finais do GP dos Estados Unidos mas não foi
bem assim. A Ferrari nunca mostrou-se competitiva e ainda por cima
teve problemas mecânicos, obrigando Ickx a pelo menos uma
parada nos boxes. Graças ao grande número de quebras
na corrida, ainda conseguiu terminar na 4ª posição,
o que definiu o campeonato.
Assim, melhor do que dizer que Emerson ganhou
o título para o companheiro falecido, é dizer que
Ickx e a Ferrari o perderam por conta de uma péssima corrida.
E, ironia final, Ickx ganhou no México.
///
O GP da Itália foi a antepenúltima
corrida da temporada 73. Naqueles tempos de nove pontos por vitória,
havia, portanto, 27 pontos em jogo e Emerson estava 24 pontos atrás
de Jackie Stewart.
A sete voltas do final da corrida, Peterson
lidera com Emerson em segundo e Stewart em 4º, depois de se
recuperar brilhantemente do atraso provocado por um pneu furado
no começo da prova.
Se Emerson vencesse em Monza e Stewart confirmasse,
como de fato confirmou, o
seu 4º lugar, o brasileiro precisaria ganhar as duas corridas
seguintes sem que Stewart marcasse um mísero ponto para,
pelo primeiro critério de desempate - o número de
vitórias -, levar o título da temporada.
Como Stewart só havia falhado em pontuar
em duas das 13 corridas disputadas até então, Colin
Chapman provavelmente achou que milagres não davam em árvore
e que melhor seria baixar a crista de Emerson, que estava pedindo
muito dinheiro para renovar com a Lotus ou mesmo já havia
se decidido a mudar de equipe.
Uma coisa que pouca gente sabe sobre esta corrida
é que Peterson, por pouco, não entrega a vitória
a Emerson por ter se atrapalhado com o local exato da linha de chegada,
que havia sido mudado naquele ano.
Peterson viu Chapman jogar o seu boné
para o alto - como este fazia habitualmente - e pensou que ali era
a chegada, tirando o pé do acelerador, ao contrário
de Emerson. O sueco cruzou a linha de chegada apenas oito décimos
de segundo à frente do companheiro de equipe.
///
Não relembro estas histórias
com o propósito de diminuir os feitos de Emerson mas um bicampeão
da Fórmula 1 e da Indy 500 simplesmente não precisa
destas fantasias para projetar ainda mais uma carreira tão
vitoriosa e bem sucedida.
Boa semana a todos
Eduardo
Correa |
|
|
|
WITH
A LITTLE HELP
FROM OUR FRIENDS
28/01/2005 |
MUNDO ANIMAL
– Por
Manuel Blanco
Grandes
ou pequenos, dóceis ou agressivos, lentos ou velozes, etc.
Animais das mais diversas características compartilham conosco
este planeta que chamamos Terra. Em todos eles, há algo que
nos atrai e fascina. Alguns já foram até adorados
como deuses. Outros... temidos como demônios.
Em todas as culturas e desde tempos remotos, existe abundante
simbologia alegórica
dos mais diversos animais. Fosse por superstição,
religião ou simples admiração, a imagem de
algum animal sempre foi exaltada pelo homem nas mais diversas manifestações
artísticas ao longo dos anos.
Nossa admiração por eles é tão grande
que seguimos usufruindo a sua imagem e as suas características
quando queremos destacar algo ou alguém, e isto acontece
com muita freqüência no automobilismo em geral e na Fórmula
1 em particular.
Qualidades como velocidade, agilidade, vigor, etc., são
ressaltadas por meio de algum animal que claramente seja reconhecido
por tê-las, e a sua imagem passa a representar a marca/equipe
ou piloto em questão, convertendo-se no seu símbolo
instransferível. Sejam animais reais ou imaginários,
os exemplos da utilização da sua imagem sao abundantes
e a todos já resultam familiares.
O cavalo, este nobre companheiro que tanto ajudou o homem ao longo
da história, é
sem dúvida, o animal mais intimamente relacionado com o automobilismo.
Até a potência dos motores é representada no
equivalente à força deste querido eqüino. Inclusive,
em três das mais famosas marcas de automóveis esportivos
de luxo de todos os tempos, pode-se ver a imagem de um cavalo em
seus escudos representativos. A Ferrari é até conhecida
como a escuderia do "cavallino rampante". A
Porsche também exibe um cavalo na mesma atitude em seu emblema
corporativo, e nos anos 40/50 outra marca de esportivos de luxo,
a espanhola Pegaso, também tinha como símbolo um cavalo
– coisa nada estranha pois Pegaso era o cavalo de Zeus, segundo
a mitologia grega. Em 1954, a Pegaso tentou competir na F 1 e inscreveu-se
para participar no GP da Espanha mas, por falta de recursos e de
apoio, o carro que deviam construir nunca viu a luz e o projeto
acabou sendo abandonado. O fabricante de pneus alemão Continental,
que esteve presente na F1 durante um tempo, também tem um
cavalo no seu escudo.
Outros
animais muito presentes na simbologia automobilística são
os felinos. A sua astúcia,
agilidade, vigor e velocidade resultam em qualidades perfeitas a
seram destacadas e vários sao os "gatos" que podemos
encontrar nas corridas de automóveis. O mais comum deles
é o leão, que adorna os escudos da Minardi e, antes,
também o da ATS (neste caso é um leão alado).
Leão era o apelido de Nigel Mansell, pela sua agressividade
ao volante. Até há bem pouco tempo, também
tivemos a Jaguar mas, neste caso, o felino parecia bastante domesticado,
pois a equipe não exibiu nenhum dos atributos próprios
do animal e acabou "fugindo com o rabo entre as pernas".
Mas
a presença de felinos não está restrita à
F 1. Em outras categorias também há e houve gatos.
Em Le Mans, tivemos as equipes Cheetah e Cougar, além da
argentina De Tomaso, que participava com seu modelo Pantera. A USAC
americana teve o Wildcat (gato selvagem), e no mundo
dos ralis temos o leão da Peugeot, cujos motores tiveram
uma passagem pela F 1. Leão tambem é o símbolo
da petrolifera italiana Agip mas, numa versão quimérica.
Para acabar com os felinos, vale recordar que Lella Lombardi era
popular e carinhosamente conhecida como “tigresa”.
Não há dúvida que os felinos são predadores
magníficos e ideais para representar a competição
automobilística. Mas não são os únicos:
também tivemos o lobo que dava nome à equipe Wolf
(lobo em inglês). Um lobo também aparecia no escudo
da equipe Coloni e, na USAC, tivemos a equipe Coyote (parente do
lobo), do admirado piloto A. J. Foyt.
De volta à F 1 mas sem abandonar os predadores, tivemos
as serpentes da Alfa Romeo
e da Brabham que, durante alguns anos, chegaram a ser bastante venenosas.
Outro predador temível é o crocodilo que representava
a equipe Tecno, presente na F1 no principio dos anos 70 mas, que
nao chegou a causar nenhum medo.
Outros predadores foram o escorpião da escuderia italiana
Abarth, cujo ferrao devia
estar atrofiado pois, no fim dos anos 60, Carlo Abarth tentou participar
da F 1 mas não conseguiu reunir recursos suficientes. E o
dragão dava nome à equipe Dragon no campeonato USAC.
Também tivemos outros animais muito representativos pelas
suas caracteristicas: o
touro da Lamborghini e o carneiro que dava nome à equipe
RAM (carneiro em inglês); o inseto (vespa?) da Stebro, pequena
equipe canadense que tentou a aventura de participar no GP dos EUA
em 1963. Mas os tempos registrados nos treinamentos foram tão
ridículos que decidiram abandonar a idéia.
No que se refere a pilotos, além do leão Mansell
e da tigresa Lombardi, tivemos Vittorio Brambilla, conhecido como
"Gorila” pelo seu estilo brusco de pilotar. Denny Hulme
era conhecido como "Urso" pelo caráter carrancudo,
e Emerson Fittipaldi era o "Rato".
Como podem ver, há mamíferos de várias famílias,
insetos e invertebrados. Porém, ainda faltam os pássaros,
que não foram nada escassos. Neste quesito, os carros da
equipe Fittipaldi eram autênticas "gaiolas de competição",
pois ali estavam os beija-flor da Copersucar e o papagaio da Glasurit,
um dos patrocinadores complementares.
No terreno
da mitologia, tivemos o Grifo. Animal imaginário com corpo
de leão e cabeça e asas de águia. Grifo foi
o nome de uma equipe participante em Le Mans e também é
o simbolo da marca sueca SAAB, famosa por construir carros com alta
tecnologia, segurança e confiabilidade. Em meados dos anos
70, precisamente para demonstrar essas qualidades, a SAAB participava
no campeonato de ralis com carros praticamente de série e,
em 1979 inclusive vence o Rai da Suécia com seu mítico
modelo 900 com turbocompressor. Aquela foi a primeira vitória
de um carro com motor deste tipo na história do campeonato.
Porém, se grifo é uma águia quimérica,
outras eram reais: tivemos a equipe Eagle
de Dan Gurney nos anos 60, que tentou voltar à F 1 nos anos
70. Na USAC, as vitórias dos Eagle-Offenhauser eram habituais.
Uma águia também presidia o escudo da mítica
equipe britânica BRM, e asas de águia aparecem nos
escudos das não menos míticas marcas Bentley, vencedora
em Le Mans, e Aston Martin, que por duas vezes tentou uma incursão
na F 1.
Uma asa também aparece no escudo da Goodyear mas neste
caso parece uma alusao
a Mercúrio, o mensageiro dos deuses. Asas também aparecem
na marca de relógios Longines – coisa muito lógica
pois dizem que “o tempo voa". A Longines foi a primeira
cronometradora oficial da F1, antes de que tal honra fosse dada
à Heuer (deveríamos dizer "vendida", pois
o tio Bernie não é dos que dão nada).
Por último, e para completar o zoológico, temos a
concha da petrolífera Shell (concha em inglês), e tivemos
o dromedário dos cigarros Camel.
Tambem
temos outros animais perfeitamente identificáveis mas, que
por discrição ou até medo, as suas qualidades
não são diretamente atribuídas a ninguém.
Porém, acho que todos os reconhecemos sem problemas: sao
as víboras, abutres, hienas, burros, etc. e que tanto abundam
na F 1.
Enfim, parece que todo o reino animal está muito bem representado
no automobilismo. E o deus Fauno, certamente, deve estar muito satisfeito.
|
|
|
Sobre todas as coisas
|
26/01/05 |
|
|
Não sei onde vi este título, mas gostei e vou roubar
para esta coluna que trata de várias coisas. A primeira delas
é um pedido feito por um leitor para comentar o Dakar 2005
e falar sobre o Jean Azevedo. Primeiro deixa eu explicar uma coisa
que não ficou bem clara na última coluna (“Estou
com raiva do Dakar”). Minha raiva
é natural pela perda de uma pessoa nobre como Fabrizio Meoni.
Se ele tivesse morrido picado por uma abelha eu teria raiva de todas
as abelhas do mundo. Se ele tivesse morrido engasgado com uma ervilha
eu ficaria com raiva de ervilhas e provavelmente nunca mais comeria
uma daquelas bolinhas verdes. Esta raiva é natural e acho
que muitas avós ficaram com raiva da Fórmula 1 depois
do dia 1º de maio de 1994 quando o neto mais querido se espatifou
na Tamburello. É natural, seria esquisito se eu disesse que
amo o Dakar e tudo aquilo que ele representa.
O Jean Azevedo é o irmão mais
novo do André Azevedo. Este, mais o Klever Kolberg, foram
os primeiros brasileiros a apostar os colhões em cima de
duas motos no ainda chamado Rali Paris-Dakar. Acho que foi em 1988
que a dupla vestiu as roupas, colocou as peças reservas em
uma pesada mochila e se meteu no maior desafio motorizado da época.
Muitos invejosos de plantão comentavam que Klever era melhor
marketeiro do que piloto – mais ou menos o que diziam de André
Ribeiro – só que tiveram de calar as bocas e enfiar
a inveja no saco porque a mesma dupla está até hoje
nesta prova, os dois se profissionalizarm, conseguiram posições
de destaque e deram a luz a este geniozinho chamado Jean Azevedo.
Uma das coisas mais difíceis do mundo
é entrevistar o Jean. O cara é tímido, quase
monossilábico
e suas respostas raramente vão além do “sim”,
“é”, “não” e coisa parecida.
Durante as entrevistas coletivas ele acaba falando mais, porque
certamente o “marketeiro” Klever Kolberg faz uma preleção
e mostra que falar em público não é assim tão
dolorido ou angustiante.
O que importa é que Jean Azevedo é
o melhor piloto de rali de moto do Brasil e ponto final. O cara
acelera, economiza a moto, sabe navegar e teve como mérito
a façanha de se tornar o primeiro brasileiro a vencer uma
etapa do Dakar em cima de uma moto. Já vi o Jean pilotando
e podem acreditar: no dia em que ele for contratado para correr
por uma equipe de fábrica vai despontar como um favorito
fácil.
Em 2005 as KTM dominaram porque as outras fábricas
tiraram os times de campo. Honda, Cagiva e BMW saíram fora
depois de alguns títulos. A Yamaha manteve um esquema semi-oficial
para desenvolver o projeto do modelo 450 com tração
nas duas rodas. A idéia foi muito bem sucedida e podem apostar
que esta tecnologia brevemente vai chegar nas KTM. O sistema é
simples, funciona por bomba hidráulica e envia um máximo
de 20% de potência para a roda dianteira por meio de mangueiras.
É o suficiente para a frente não afundar nos areiões
e para a moto não atolar. Para avaliar a eficiência
do sistema, em trechos de dunas a 450 de um cilindro da Yamaha foi
mais rápida do que as 900 bicilíndricas da KTM.
Entre
os carros, Stephane Peterhansel conseguiu vencer pela segunda vez
e podem ter certeza que vai continuar vencendo. Ele já tinha
sido seis vezes vencedor do Dakar com as motos e agora chegou à
segunda vitória com a Nissan. É um mágico.
Depois da morte do Meoni, Peterhansel deu uma entrevista ao correspondente
brasileiro justificando sua passagem das motos para os carros e
disse claramente que mudou porque “estava com medo de um acidente”.
Isso mesmo, o maior campeão do Dakar admitiu publicamente
que teve medo e isso não o envergonha nem desmerece o cara.
Entrevistei o Peterhansel quando ele correu o Enduro da Independência
em Belo Horizonte e fiquei impressionado quando ele disse que o
seu maior ídolo era Ayrton Senna e que se espelhava no brasileiro
para nortear a carreira. Acho que isso foi em 1992 ou 1993.
++++
Corta para o Mundial de MotoGP. Nos primeiros
testes Alexandre Barros já deu um recado: vai incomodar!
Fez dois treinos excelentes e acabou atrás apenas da Ducati
de Loris Capirossi e da Yamaha do Valentino Rossi. Quem ligou a
TV agora e não está entendendo nada, vai um lembrete:
Alexandre saiu (ou foi saído) da Honda fábrica e agora
está de volta à equipe Pons e vai correr de Honda
oficial. Segundo ele mesmo disse, “testamos perto de 12 tipos
de pneus Michelin e começamos a mexer na moto”.
Traduzindo: Barros vai chegar na primeira etapa
com um belo feeling dos pneus e com a moto da fábrica já
acertada. Pausa para explicar: acho que em 2004 Alexandre tomou
na tarraqueta porque os engenheiros da HRC – o reparto corsa
da Honda – não davam muito ouvido aos reclamos do brasileiro.
Em uma equipe menor, a palavra do piloto é soberana e a liberdade
para fazer mudanças também.
Mas não vou ficar aqui justificando
a fraca temporada do Barros em 2004. Até agora ele está
bem perto do Valentino, apenas 1 décimo de segundo. No ano
passado ele ficava a oito décimos de segundo nos treinos
e a meio segundo nas corridas. Vamos ver o que pode rolar em fevereiro,
quando as equipes fazem outro treino oficial, ainda sem a Honda-fábrica
junto. O pau vai comer feio em 2005 e quem não tiver acesso
à SporTV vai perder uma temporada das mais emocionantes.
Enquanto Shummy promete fazer da F1 2005 outro desfile em vermelho,
na MotoGP vai voar pena pra tudo que é lado.
A partir da próxima coluna já
podem esperar por notícias mais quentes.
++++
Outro assunto: Jacarepaguá!
Minha Gente! (essa eu roubei do Collor). Não
se iluda. Estamos no Brasil, que está mais próximo
da África do que da Europa. Sabe aquela viagem a remo que
Amyr Klink fez da África até o Brasil? Imagine se
ele viesse da Inglaterra? Estaria até hoje remando em algum
ponto do Atlântico.
Não sonhe com um país no qual
o automobilismo e o motociclismo serão tratados com prioridade.
E sem apelos saudosistas quanto ás glórias do passado.
Em um país onde tiveram coragem de demolir monumentos históricos,
represar áreas de beleza natural incomparável e outras
pataquadas, quem vai se importar com uma pista de corrida?
O
circuito de Jacarepaguá é sub-usado, mal conservado
e cheio de bumps. As corridas nacionais são assistidas por
uma merreca de público. Se faz sol a praia é muito
melhor. Se chove – e chove pra caramba naquele aterro –
ninguém vai se deslocar até lá. Então,
só serve para alguns pilotos se divertirem. Meu colega da
revista Racing foi cobrir uma etapa do Campeonato Carioca de Automobilismo
e viu uma largada com 2 (DOIS) carros!!!
Eu procurei a administração do
circuito para levar minha escola de pilotagem esportiva de motos
(SpeedMaster) para lá. Cobraram um valor indecente e imoral
pelo aluguel da pista para um final de semana. Mudei a escola para
Caruaru (Pernambuco) onde a realidade é bem diferente e os
preços são normais.
Não adianta cortar a pista. Ou mantém
o traçado ou arranca tudo de uma vez. Se a pista ficar com
2.700 metros, servirá apenas para escolas de pilotagem (êba!),
mas terão de rever os valores de aluguel. Imagine uma corrida
de Stock-Cars em uma pista de 2.700 metros! Vai dar tontura!
Está na hora de privatizar os autódromos
e acabar com a mamata de muito funcionário público.
No interior de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro
existem muitas áreas que poderiam abrigar autódromos
modernos, com boas áreas de acesso e sem interferência
de políticos ineptos e aproveitadores. Eu já pilotei
em dois autódromos particulares, um do Dimas de Melo Pimenta
e outro dos Diniz. Se dois empresários cheios da grana podem
construir autódromos só para brincar de carrinho,
por que empresas grandes não podem construir um autódromo
de verdade? É preciso tirar dinheiro das ações
sociais prioritárias para investir em modalidades para ricos?
Minha gente, chega de mamar na teta do
Estado. O que já se gastou em reformas em Interlagos a cada
corrida de F1 daria para fazer 10 autódromos de nível
internacional. E querem saber? Para motos Interlagos é uma
merda! Perigoso, com muros muito próximos da pista e cheio
de lombadas. Sou favorável a demolir Interlagos e Jacarepaguá,
privatizar as pistas e construir circuitos melhores e mais seguros.
|
|
|
O TOURO E AS VAQUINHAS
|
24/01/05 |
|
|
A notícia passou quase desapercebida nos meios de comunicação
nacionais e internacionais. A Red Bull abandonou o projeto de investir
no circuito de Zeltweg e deixou o lugar às moscas, ou melhor,
às vacas. Após a demolição das arquibancadas,
dos boxes e dos edifícios administrativos, sobrou apenas um
traçado esburacado no vale que já recebeu os melhores
pilotos do mundo. E pasto, muito pasto. Foi
o fim de um dos planos mais audaciosos já vistos para uma
pista de corrida. De acordo com o chamado “Projeto Spielberg”,
haveria uma integração entre o autódromo e
o campo de vôo situado a poucos metros dali, com a construção
de uma academia para formar pilotos e técnicos nas duas áreas.
E outras coisinhas mais: um hotel cinco estrelas, dois palcos para
shows, dois kartódromos, uma pista de motocross, um centro
esportivo e a extensão do traçado do autódromo,
aproveitando uma área da pista original dos anos 70 e que
ficou esquecida dos anos 90. O megalômano projeto custaria
aos cofres da Red Bull a bagatela de 700 Milhões de Euros
e fatalmente atrairia a Fórmula 1 de volta à região.
Mas as asinhas da empresa começaram
a ser cortadas por causa da tal pista de motocross. Ela demandaria
a derrubada de uma dezena de árvores e a remoção
de um certo volume de terra, o que motivou dois pequenos grupos
de cidadãos da região a mover uma ação
contra o projeto. É uma parcela insignificante diante dos
diversos setores a favor da empreitada. Mas após meses de
debates nos tribunais, a comissão do meio ambiente do estado
da Estíria deu ganho de causa aos grupos e considerou que
o “Projeto Spielberg” não está dentro
dos conformes da lei. Qual lei seria burlada, porém, juro
que não encontrei esta informação em nenhum
lugar. Assim que o parecer foi anunciado, na última quarta-feira,
a Red Bull anunciou que não prosseguiria com o projeto.
No centro de toda a questão está
um homem que habita o mundo da Fórmula 1 há
mais de uma década, mas só agora começa a ganhar
espaço nas grandes manchetes. O taurino Dietrich Mateschitz
inventou em 1987 uma bebida com gosto de chiclete e um misterioso
ingrediente chamado taurina e a batizou de Red Bull. Hoje, com tal
do touro vermelho perto de atingir sua maioridade, “Didi”
é um bilionário, com direito a perfil na edição
da revista Forbes sobre as pessoas mais ricas do mundo.
Se chegou lá, é porque é
um excelente homem de negócios. Vale lembrar que, no ano
passado, Mateschitz passou a primeira parte da temporada da F-1
negociando com a Ford a compra da equipe Jaguar. Diante do alto
preço pedido, tirou o time de campo e anunciou que não
estava mais interessado. No final, o touro foi uma raposa e acabou
comprando o time por apenas US$ 1 milhão, quase de graça,
porque não apareceu nenhum interessado que atendesse às
exigências da Ford (que podia ser resumida em “ter recursos
para tocar a equipe com um mínimo de dignidade”).
Aqui na Áustria, muitos se espantaram
com o fim do “Projeto Spielberg”. A turma da política
logo se assanhou e todos os partidos da oposição dispararam
pesadas críticas ao da governadora da Estíria, Waltrud
Klasnic, não por acaso o mesmo partido do chanceler Wolfgang
Schüssel. Economistas se apressaram a calcular o volume do
dinheiro que a região deixou de ganhar e esportistas lamentaram
a destruição da única pista digna de nota do
país. Provavelmente, só as vaquinhas gostaram da idéia,
pois seu pasto permanecerá intocado.
Ah, sim! Tem mais um cara que está rindo
à toa com o naufrágio deste barco: Mateschitz, o Mister
Red Bull. Raciocinemos juntos: o “Projeto Spielberg”
surgiu em 2003 e, embora mal tenha começado, já custou
uma boa grana aos cofres da empresa. O autódromo de Zeltweg
pertencia ao Estado da Estíria e o Automóvel Clube
da Áustria (ÖAMTC) tinha a prioridade caso os direitos
de exploração do lugar fossem vendidos ou alugados.
Só na compra destes direitos do ÖAMTC, a Red Bull gastou
€ 20 milhões.
Aí,
no fim do ano passado, Mateschitz resolveu realizar outro de seus
sonhos e comprou sua equipe de F-1. Não é ótimo
para um homem de negócios como ele poder paralisar um projeto
de € 700 milhões num momento como esse? O que o homem
fez, na verdade, foi um golpe de mestre. A complexidade do “Projeto
Spielberg” previa a compra de terrenos vizinhos ao atual autódromo.
Numa entrevista em dezembro, ele reclamou da ganância de alguns
dos proprietários. “Estão pedindo um preço
irreal pelo que as terras valem. Aceitar seria um insulto à
nossa inteligência”.
Agora, com as mudanças que deveriam
ser feitas após o parecer favorável aos ecologistas,
os custos aumentariam absurdamente. Saindo de cena, Mister Red Bull
se fez de vítima e os políticos logo perceberam a
chance que eles estavam deixando passar. Políticos criam
leis para elas sejam mudadas, desde que caia algum dinheiro no bolso
deles. Conhecemos muito bem isto, não é verdade?
Por isso, antes de se vestir de preto pela
morte do circuito de Zeltweg, arme-se de paciência. Mais alguns
anos e provavelmente a Red Bull vai ganhar toda a região
de presente para construir seu gigantesco parque de diversões.
E Mateschitz estará lá, exibindo seu vasto sorriso.
Que o episódio sirva de alerta às outras equipes da
Fórmula 1. Este homem não entra num negócio
para perder. Pode demorar, mas ele sempre acaba ganhando.
Hoje, imaginar a sucessora da Jaguar ganhando
corridas e títulos parece piada. Mas muitos riram também
há cerca de 20 anos atrás, quando um homem de marketing
austríaco, bêbado num bar de Tóquio, vislumbrou
a possibilidade de ficar milionário criando uma tal de “bebida
energética”. O tempo sempre deu razão ao senhor
Dietrich Mateschitz.
Um abraço e até a próxima,
Luis
Fernando Ramos |
|
|
|
|
|
Nós somos um
idiota |
21/01/05 |
|
|
A Ferrari renovou com Bernie Ecclestone até 2012, a Fórmula
1, pelo menos até lá, está salva e agora posso
afirmar com todas as letras: nós (o plural é majestático,
como convém a situações solenes, não tendo
nada a ver com você, leitor) somos um idiota. Idiota
por perder tempo achando que as piranhas (os donos das equipes)
não se entenderiam com a piranha-mor, Mr. Bernie, o próprio.
Idiota por temer que o dinheiro não se arreglaria com dinheiro,
o poder com poder. Idiota por ter vibrado com
aquela carta "legalista" de Ron Dennis e Frank Williams
(lembram-se dela? O idiota aqui até a distribuiu pelo e-mail)
e com as palavras de Luca di Montezemolo, que disse em entrevista
a AutoSprint algo do gênero: "organizar a Fórmula
1 não é um trabalho tão extraordinário
porque, com todo respeito a Ecclestone, ele o faz com Lattuneddu
e dez ragazzotti.
Ou seja, não estamos falando da Nasa."
Mudou Montezemolo, Bernie ou a Nasa? Talvez
tenhamos apenas visto mais uma aplicação da lição
imortal de Lampeduza: as coisas precisam mudar para continuarem
iguais. Talvez Bernie tenha aumentado a grana da Ferrari e tudo
ficou por isso mesmo. Mas o idiota aqui, provavelmente, continuará
igual.
E vocês vão ter de me engolir.
///
Não sou, vocês já devem
ter percebido, um cara propriamente sucinto. Em minhas
mãos, os assuntos se desdobram e alargam, tenho dificuldades
em abandona-los e sempre acho que fiquei devendo uma informação
ao leitor.
Então vocês podem fazer uma idéia
da minha angústia em tentar reduzir em pouco mais de duas
mil palavras a história recente da Fórmula 1, como
fiz (ou tentei fazer) em minhas colunas de 6 e 10 de janeiro.
Me perdoem, portanto, voltar a um tema que,
acho, merece mais explicações: a mudança no
estilo de pilotagem ao longo dos anos 70/80, com o advento do efeito-solo
e dos motores turbo.
Este salto de potência dos carros, de
algo como 500 para 1000 cavalos, e de velocidade em curva, em alguns
casos, de uns 20%, foram o ponto de partida de toda uma série
de desdobramentos que trouxeram para a categoria muitos dos seus
problemas atuais.
Por
exemplo: os pilotos passaram a necessitar de muito mais força
física para conduzir os carros. Como explica Niki Lauda em
sua autobiografia Minha História, um dos mais admiráveis
depoimentos de piloto que jamais li (e fica aqui a dica para Alessandra
Alves, nossa valente boss da Editora GPTotal), manter a cabeça
ereta durante a corrida tornou-se um problema. Licença para
reproduzir trechos do livro, em espanhol mesmo pois não quero
trair ninguém:
"al poner la marcha seguiente, el impulso
del turbo te tira la cabeza hacia atrás, luego llegas al
límite de revoluciones y tu cabeza vuela hacia adelante,
metes la marcha seguiente, tu cabeza es desplezada hacia atrás.
y así tres veces consecutivas".
E também, falando aqui especificamente
dos carros asas:
"la fuerza de gravedad se acentuaba tanto
en las curvas, que era imposible mantener erquida la cabeza junto
con el casco".
E mais, falando sobre os impactos sofridos
pelo corpo do piloto tão logo os carros, quase que desprovidos
de suspensão, passavam sobre a mais insignificante irregularidade
da pista:
"En las rectas de Monza, por ejemplo,
era tan tremendo que sentías los golpes simultáneamente
en la columna vertebral y también en la cabeza. Daban ganas
de llorar de dolor y de impotente rabia. Andabamos a los saltos
como animales enloquecidos, ese era nuestro job".
Graças a estas e outras informações
de Lauda, podemos entender algumas coisas da Fórmula 1 de
hoje:
1 - porque a preparação física,
um luxo de poucos pilotos nos anos 70, tornou-se um imperativo atual,
com seus desdobramentos inevitáveis. Experimente passar duas
ou três horas por dia, sete dias por semana, numa academia,
caprichando na preparação aeróbica (corrida
a pé, por exemplo) e anairóbica (musculação)
e depois me diga se terá animo para farras, como as que notabilizaram
pilotos como Mike Hailwood e James Hunt. Chico Rosa, empresário
de José Carlos Pace durante os anos dele de Fórmula
1, me contou que, ao chegar aos hotéis às vésperas
de um GP, se preocupava em conseguir um quarto bem distante do de
Hailwood, pois só assim garantiria para ele e Pace uma boa
noite de sono.
2
- O salto de potência dos motores tornou imprescindível
o avanço da eletrônica embarcada. Acho que não
erro em dizer que a corrida da eletrônica começou com
o refinamento dos controladores de giro do motor, de forma a conter
um pouco os
problemas decorrente dos saltos de potência na passagem das
marchas. Não que os projetistas estivessem particularmente
preocupados com o conforto dos pilotos mas é que estes saltos
causavam spins incontroláveis nas rodas traseiras, limando
os pneus e comprometendo o desempenho.
Desencadeada a corrida eletrônica, ninguém mais a segurou.
3 - O crescimento da velocidade em curva significou
o começo do fim da dupla de Lesmo, em Monza, Curvas 1 e 2
de Interlagos, Stowe, em Silverstone, e tantas outras curvas velozes
que separavam meninos de homens.
É por isso que os pilotos de hoje demonstram
tanta surpresa e admiração pelos seus colegas mais
velhos quando pilotam carros daquela época. O amigo Manuel
Carvalho, de Santos, e este propósito, envia frase de Damon
Hill, sobre os carros do passado: "I can't drive these cars;
they don't stop, they don't turn in, they don't do anything. I don't
know how you guys did it".
Bom final de semana a todos
Eduardo
Correa |
|
|
|
|
|
Vem aí o primeiro
livro do GPtotal |
19/01/05 |
|
|
Nesta minha primeira coluna de 2005, coube a mim a grata tarefa de
anunciar aos leitores do GPtotal uma notícia que nos transporta
das telas dos computadores para as prateleiras das livrarias. Em fevereiro,
será lançado o primeiro livro com o selo GPtotal, “O
Boto do Reno”, do jornalista Flavio Gomes, e aqui explico como
tudo aconteceu.
Não
é obra do acaso que seja eu a eleita para dar a boa nova.
Passei vários meses instigando meu amigo Flavio, do site
Grande Prêmio, a lançar um livro reunindo suas crônicas
de viagens pelo mundo da Fórmula 1 e sempre escutava dele
a mesma justificativa: “Preciso ir atrás de editora,
não tenho tempo.” Até que me cansei do nosso
mútuo conformismo e propus: “E se lançássemos
o livro pela minha editora, com o selo do GPtotal, você topa?”
Ele
topou e o projeto do livro “O Boto do Reno” andou rapidamente.
“O Boto do Reno” reúne crônicas escritas
pelo Flavio desde 1994, nas quais ele conta episódios de
suas viagens, mostra particularidades dos muitos países que
já visitou, destila seu bom e mau humor com a fluidez característica
de seus textos. Um caderno com fotos e imagens, de vários
países, encerra o livro. Para quem gosta de Fórmula
1, é uma oportunidade de viajar junto com Flavio pelos países
que recebem as corridas, compartilhando com o jornalista seu cotidiano
de viajante solitário, suas impressões, suas experiências.
O livro termina com um relato sobre a cobertura da morte de Ayrton
Senna, fato que teve importância capital na vida do próprio
autor.
Os leitores do GPtotal podem, com muita propriedade,
perguntar: por que lançar primeiro um livro do Flavio Gomes
e não de algum dos colunistas do próprio GPtotal?
Afinal, tanto Eduardo Correa quanto Luiz Alberto Pandini já
têm livros publicados, acrescentariam alguns. A resposta é
muito simples: porque Flavio Gomes já tinha o livro pronto
e nós, colunistas do GPtotal, embora tenhamos muitas idéias
que, no futuro, podem e devem se materializar em livros, não
estávamos com os originais prontos quando criou-se a oportunidade
de entrarmos no ramo editorial.
De 1997 até o início de 2005,
minha editora foi especializada apenas em publicações
empresariais. Entrar para o segmento de livros era um objetivo estudado
há algum tempo e a instigação ao Flavio Gomes
teve um lado prático e outro sentimental. Fazer do primeiro
livro do Flavio o primeiro livro do selo GPtotal é unir muitos
pontos fortes: Flavio é um jornalista conhecido e consagrado
no meio, escreve para veículos de grande representatividade,
como o diário Lance!, vários jornais em todo o Brasil,
o próprio site Grande Prêmio, o primeiro portal de
informações sobre automobilismo do país, além
de ser correspondente da Rádio Bandeirantes em suas transmissões
de Fórmula 1. O GPtotal é mais que um veículo:
é uma comunidade consolidada entre os leitores que gostam
de ler e de conhecer cada vez mais sobre Fórmula 1. Do ponto
de vista prático, eu não poderia planejar uma união
mais perfeita.
Mas eu disse que há um lado sentimental
e peço a licença dos leitores, machões implacáveis
em sua maioria, para contar um pouco da minha própria história
e de como chegamos até aqui. Um ano antes de me formar em
Jornalismo, metida a besta que só, candidatei-me a uma vaga
de repórter de Esportes na Folha de São Paulo, respondendo
a um anúncio publicado no próprio jornal. Eu era topetuda,
mas tinha noção da minha sandice: mandei meu currículo
(que currículo tem uma terceiroanista de faculdade?), mas
junto mandei uma carta ao editor, explicando porque me permitia
tamanha ousadia. Eu queria trabalhar lá um dia, e queria
pelo menos
me apresentar para ele. Quando desse...
O editor de Esportes da Folha era Flavio Gomes,
que me chamou para a entrevista, impressionado talvez com a pretensão,
mas alegando ter gostado muito da tal carta. Disse o óbvio:
que a vaga era para alguém experiente, mas que guardaria
meu currículo para uma próxima oportunidade. E ela
veio três meses depois: uma vaga de redator havia sido aberta
e Flavio lembrou-se de mim.
Comecei a trabalhar na Folha no dia 7 de maio
de 1991, tendo Flavio Gomes como meu primeiro editor. Fui, para
usar um termo das redações, sua “foca”
(jornalista em início de carreira). De lá para cá,
fizemos muitas outras coisas no campo profissional: deixamos de
ser chefe e subordinada (sei que ele vai odiar quando ler esse “subordinada”,
é muito democrático esse meu amigo-autor-editor),
saímos ambos da Folha, lançamos empreitadas novas
e nunca perdemos o contato. Eu poderia dizer que foi uma “ironia
do destino” (detesto essas expressões manjadas) ter
me tornado eu a editora do primeiro livro do jornalista Flavio Gomes,
o editor que primeiro me contratou. Mas acho que foi mais por planejamento
e teimosia que ironia ou destino. E, sobretudo, pela generosidade
do Flavio que me deu, mais uma vez, a chance de dobrar mais uma
esquina da minha vida.
“O Boto do Reno” estará
à venda, aqui mesmo no GPtotal, a partir do dia 9 de fevereiro,
logo após o Carnaval. Mas, se a sua vontade de ter o livro
já estiver muito grande, reserve já seu exemplar clicando
aqui
|
|
|
HISTÓRIAS DO
ALFRAN
|
17/01/05 |
|
|
A história do Brasil na Fórmula 1 é freqüentemente
contada tendo como ponto central algum dos 27 pilotos do país.
Mas vários brasileiros mostraram sua competência em outras
funções. Nosso colunista Ricardo Divila – o primeiro
sul-americano a projetar um Fórmula 1 – é um deles.
Pode-se citar ainda engenheiros como José Avallone Neto (que
trabalhou para a Jordan durante algum tempo), Otávio Guazelli
e Fernando Paiva (sócios de uma empresa de informática,
a NGD, que prestou serviços para a Minardi entre o final da
década de 1980 e o começo da década de 1990)
e, atualmente, o pessoal da Petrobras, fornecedora de combustível
da Williams, liderado por Rogério Gonçalves.
Um
desses brasileiros, o potiguar João Alfran,chegou à
equipe Coloni no segundo semestre de 1989, indicado por Roberto
Moreno. A dedicação e a criatividade de Alfran logo
se destacaram, especialmente em uma equipe carente de recursos.
No final daquela temporada, Moreno se transferiu para a Eurobrun,
mas Alfran permaneceu na Coloni. Eu o conheci no começo de
1990 por intermédio de Luiz Carlos Lima, dono da Interlagos
Editora, onde eu trabalhava. Lima, autor de livros como “José
Carlos Pace, o campeão mundial sem título” e
“Nelson Piquet – A trajetória de um grande campeão”,
pretendia lançar uma revista sobre automobilismo, chamada
“Veloz”, e desejava incluir no primeiro número
uma entrevista com Alfran.
Eu e Alfran imediatamente nos entendemos bem.
Simpático e bem-humorado, Alfran contou muitos detalhes interessantes
sobre seu trabalho na Coloni. Poucas semanas depois de chegar à
equipe, ofereceu-se para montar um carro “boneco” (ou
seja, sem motor) usando peças avulsas que estavam jogadas
em um canto da oficina. “Não vai dar porque faltam
componentes”, respondeu Enzo Coloni, o dono da equipe. “Posso
ao menos tentar?”, insistiu Alfran. Dias depois, o carro estava
montado, para surpresa geral. Dali em diante, o brasileiro ganhou
a confiança de Enzo Coloni e passou a ser um dos principais
mecânicos da equipe.
Alfran relatou ainda o drama da Coloni no GP
de Portugal de 1989. Moreno conseguiu o 15º lugar no grid (a
melhor posição de largada da história da Coloni),
após várias corridas sem conseguir ficar entre os
26 pilotos que, na época, largavam a cada GP. O resultado
foi possível, principalmente, graças a um novo bico
que melhorou muito a aerodinâmica do Coloni C4. No final do
treino de sábado, quando tentava melhorar ainda mais seu
tempo, Moreno se envolveu em um acidente com Eddie Cheever, da Arrows,
e o tal bico foi destruído. “Era o único que
a equipe havia construído e não havia dinheiro para
fazer outro”, contou Alfran. Na corrida, Moreno deu 11 voltas
e abandonou por causa de uma pane no sistema elétrico.
Escrevi a matéria, mas a revista “Veloz”
nunca saiu. A situação financeira da Interlagos
Editora nunca foi das mais tranqüilas e o confisco do dinheiro
guardado em bancos (uma das medidas do infame e inútil Plano
Collor) obrigou Luiz Carlos Lima a abandonar de vez o sonho de publicar
sua revista de automobilismo. No final daquele mesmo ano, encontrei-me
novamente com Alfran. Conversamos sobre vários assuntos,
fiz mil perguntas sobre corridas e, de repente, ele disse: “Cara,
já vi que você gosta demais do assunto. Você
vai gostar do que eu vou trazer para você”. No dia seguinte,
Alfran passou na sede da Five Star Marketing, onde eu trabalhava,
e me deu uma camisa vermelha oficial da Ferrari. “Essa é
a que os mecânicos usam nos testes”, explicou. “A
camisa que eles usam em corridas é amarela.”
Poucos meses depois, entrei no “Jornal
da Tarde” e fui um dos repórteres escalados para cobrir
o GP do Brasil de 1991. Evidentemente, uma das minhas primeiras
providências foi procurar Alfran. Por intermédio dele,
consegui várias informações interessantes sobre
o que rolava na Coloni e até em outras equipes. Nada que
rendesse manchete de página, mas muitos detalhes de bastidor
que acrescentaram um colorido especial às matérias.
Só reencontrei Alfran um ano depois,
no GP do Brasil de 1992, quando a Coloni já havia sido comprada
pelo fabricante italiano de sapatos Andrea Sassetti e transformada
em Andrea Moda. Desta vez, porém, tivemos muito pouco tempo
para conversar. Alfran foi o responsável pelo recrutamento
de mecânicos brasileiros que pudessem ajudar na montagem dos
carros da equipe. Trocamos vários cumprimentos à distância,
mas só conseguimos conversar uma vez. “Estamos trabalhando
dia e noite na montagem do carro”, disse-me, com o cansaço
visível em seu rosto e as olheiras denunciando muitas horas
de sono atrasadas. Tanto esforço para nada. Moreno, de volta
à antiga equipe depois de passar pela Benetton e pela Jordan,
conseguiu dar apenas duas voltas e marcou um tempo na casa de 1min38s
– cerca de 2 segundos mais lento que o pole position da última
corrida de F 3 realizada em Interlagos no final de 1991.
Depois disso, fiquei alguns anos sem ver Alfran.
Ele passou boa parte desse tempo trabalhando nos Estados Unidos,
principalmente com Moreno. Nos reencontramos em 2002, quando Alfran
já havia voltado ao Brasil e aberto uma oficina de preparação
de carros de corrida. Em novembro de 2004, conversamos longamente
durante o Porsche Racing Festival, em Interlagos. Empolgado, Alfran
descreveu o esporte-protótipo com motor Chevrolet V8 que
estava construindo para o piloto e empresário Urubatan Helou
disputar a Mil Milhas.
Nessa
ocasião, Alfran relembrou algumas histórias dos tempos
da F 1, como as peças que pregava nos mecânicos europeus
– os ingleses eram suas vítimas preferidas. Certa vez,
durante um intervalo entre os GPs do Japão e da Austrália,
Alfran viajou com um grupo para a ilha de Bali, na Indonésia.
Foi para uma praia, comprou um coco verde e, quando a água
estava pela metade, resolveu misturá-la com a cachaça
de uma garrafinha que havia levado consigo. “Uns três
mecânicos ingleses chegaram logo depois, e resolvi oferecer
o coco para que eles provassem a bebida. Eles adoraram e perguntaram
aonde poderiam conseguir um igual. Apontei um coqueiro ali perto
e disse: ‘Tem que subir na árvore e pegar’. E
lá foram eles pegar os cocos lá no alto. Mas aí
eu não consegui mais segurar a risada e eles perceberam que
eu estava de sacanagem...”.
Outra: “No final de semana de um GP de
Portugal, a cozinheira da Coloni chegou para mim e disse: ‘Você
vai gostar do café de amanhã. Comprei uns papayas
deste tamanho”, contou Alfran, abrindo as mãos como
quem mostra um objeto com meio metro de comprimento. “Estranhei:
papayas daquele tamanho? No dia seguinte, quando cheguei no trailer,
a cozinheira me mostrou os ‘papayas gigantes’. Eram
abóboras! E todo mundo estava comendo abóbora, pensando
que eram papayas...” Mais algumas histórias e nos despedimos.
“Eu preciso colocar essas histórias em um livro”,
disse Alfran. “Se você quiser, eu escrevo esse livro”,
respondi.
No dia 4 de janeiro passado, de volta
a São Paulo após uma semana de férias na praia,
recebi uma ligação de Ivo Sznelwar, engenheiro bastante
conhecido nos meios automobilísticos e que de vez em quando
dá uma força aqui no GPtotal. Trocamos votos de feliz
ano novo e Ivo me deu a notícia: João Alfran havia
morrido no dia anterior, aos 48 anos, devido a complicações
cardíacas. Cerca de dez dias antes, havia realizado seu maior
sonho: viu o carro projetado por ele andar em Interlagos pela primeira
vez, pilotado por Urubatan Helou Júnior.
Luiz
Alberto Pandini |
|
|
|
|